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O padre "americano" que tira os demónios
Humberto Gama, 63 anos, nasceu em Mascarenhas, Mirandela. É um dos nove
filhos de um guarda-rios, partiu aos 17 anos para a América, para cursar
filosofia, onde esteve sete anos e de onde regressou para ser ordenado no
Convento Mariano de Balsemão. Diz-se um padre de Deus e cidadão do mundo.
Foi representante da União Europeia ao serviço de quem foi feito prisioneiro
pelo "Sendero Luminoso", na América Latina. Assume com frontalidade que as
correntes negativas do bem contra o mal se combatem com o exorcismo.
Amante de arte, em especial de pintura (a sua casa mais parece um museu).
Amigo de Vieira de Silva, Maluda, Cargaleiro e Júlio Pomar, pessoas que,
segundo diz, "têm um horizonte completamente diferente". Humberto Gama vê na
política, um púlpito para fazer passar as suas mensagens.
Lamego Hoje - Quando está a fazer um exorcismo sente que esta é também uma
forma de ajudar os seus paroquianos?
Padre Humberto Gama - Quando me formei, o bispo de Bragança sabia que a
minha formatura tinha sido em psicologia. É muito difícil saber se a pessoa
está possessa ou tem uma outra doença qualquer. Há coisas sobrenaturais no
meio disto tudo. Existem pessoas que, só depois de irem ao médico ou aos
psiquiatras, que lhe dizem - 'olhe vá ao padre, porque só ele é que lhe pode
resolver isto'.
LH - Como é que uma pessoa como o padre Gama sabe se quem o procura está
possesso, ou não?
PHG - Antes de chegar à ordenação sacerdotal, somos exorcistas. Um padre
como é diácono também é exorcista. No entanto, depois de serem ordenados,
nem todos podem ser exorcistas. Para tanto, em cada diocese, há um padre que
recebe a indicação do bispo para esse efeito, situação que lhe dá outros
poderes.
LH - Então, no caso da Diocese de Vila Real é o senhor o eleito? Qual foi o
bispo que o nomeou?
PHG - Eu não estou debaixo da alçada de nenhum bispo. Eu sou padre de Deus.
Existe um padre que o bispo usa, a seu belo prazer, para esse efeito. Eu
quando fui ordenado sacerdote jurei por Deus. Os bispos passam e a igreja
fica. Já conheci cinco bispos na minha Diocese e tantos outros em outras. Se
um pobre padre dependesse de um bispo, quando morresse o padre e o bispo
acabava tudo. Não pode ser.
LH - Disse-me que, há dias atrás fez um exorcismo, aqui próximo de sua casa.
Quando saiu de casa foi vestido de padre, com todos os rituais?
PHG - É claro que, para se poder fazer as coisas com verdade temos de ser
rigorosos. Mesmo quando faço exorcismo não deixo de ser padre e, quando saí
de casa, sabia muito bem o que ia fazer e estava preparado para isso.
LH - Quando é que se apercebeu de que teria o dom de poder fazer exorcismos?
PHG - Eu fiz toda a minha formação na América e fui o primeiro padre
português a ser ordenado no Mosteiro Mariano de Balsemão, em Macedo de
Cavaleiros, na altura dirigido por padres Polacos. Está lá enterrado um
padre, que era o exorcista e, quando ele morreu, o Bispo de Bragança falou
comigo para saber se eu podia continuar aquele serviço. Passei a ser
solicitado por pessoas que, de Lisboa ao Porto, passando pela zona centro do
País, toda a gente me conhecia como o 'Padre Americano, que tirava os
diabos'.
LH - Nós, leigos na matéria, ouvimos dizer que exorcizar não é tarefa
fácil...
PHG - No principio, sempre que me apercebia da presença de alguém a procurar
esse serviços eu fugia para casa dos meus pais, em Mascarenhas, Mirandela.
Tenho de reconhecer que tinha medo. Tive experiências terríveis que, ainda
hoje, estão na minha memória. O meu pai, perante factos a que assistiu
quando as pessoas me procuravam, pediu-me para pedir transferência para
Roma, para que desaparecesse a fama do Padre Gama, 'que tirava os diabos'.
LH - Recorda-se de algum caso especial em que tenha ajudado pessoas que
procuravam os serviços nessa área e que estavam a sofrer?
PHG - Eu quando me chega uma pessoa doente, há uma coisa que me choca logo.
Pode ser um gesto, um olhar, qualquer coisa de negativo que a pessoa trás
que contacta comigo. Essas pessoas estão a sofrer e eu, pela graça de Deus,
tenho uma força positiva, o que provoca desde logo um choque ou um combate
entre o bem o mal.
LH - Mas, conte-me, que sintomas essas pessoas apresentam e como se
combatem?
PHG - Tinha sido ordenado há pouco tempo. O Bispo de Bragança, D. Manuel de
Jesus Pereira, mandou ao convento de Balsemão uma família de Leiria, com uma
menina de seis anos amarrada pelas mãos e pelos pés, dentro de um furgão,
para que 'se eu tivesse coragem' resolvesse este problema. Andava eu em cima
de um tractor a lavrar no campo, quando os pais da menina, todos esmurrados
das agressões da filha, que ninguém tinha conseguido segurar na noite
anterior, chegaram junto de mim.
LH - Era assim um caso tão grave. É possível atingir essas proporções?
PHG - A menina estava possessa de um tio e do avô. Havia intercomunicações
entre os espíritos, já que aquela criança nunca conheceu o avô. Vesti-me e
apareci à família que me disse que 'tivesse cuidado' porque 'ela cospe,
bate-lhe, ou mata--o já'. Mandei soltar a menina que, mal saiu da carrinha,
me beijou a mão, perguntando-me - 'olá senhor padre, está bom?' - para
estupefacção da família. Levei-a pela mão para a sacristia, porque o
exorcismo faz-se frente-a-frente e ninguém pode assistir àquele acto.
LH - Não teve receio face às mudanças bruscas da menina que tinha batido nos
pais e que agora, aparentemente, estava tão dócil?
PHG - Bem, eu considerava-me um homem de coragem. Levei-a para a sacristia
para tentar perceber o que era aquilo. No entanto, naquela altura todo eu
tremia. Só Deus sabe o que passei. A primeira coisa que eu disse à menina,
pequenina, já na sacristia, foi: 'tu, se cuspires em mim ou me deres alguma
canelada, como fazes aos teus pais, eu mato-te'. Ela olhou para mim e, antes
de falar, senti que qualquer coisa que estava dentro dela até tremeu. - 'Não
senhor, a si não lhe faço mal', disse--me.
LH - A onda negativa que tinha a menina possessa desapareceu, só com a
presença de um padre que o ameaçou?
PHG - É evidente que não. O exorcismo exige que se faça um ritual de rezas -
uma espécie de livro de S. Cipriano - e que demora cerca de quatro horas.
Faz parte do exorcismo perguntar à pessoa como ela se chama. Fiz a pergunta
em português, latim, francês, sem encontrar resposta. Eu falava bem Polaco
(tinha sido ordenado por padres Marianos da Polónia) e disse-lhe em polaco:
- porra, este diabo nem polaco sabe falar - ao que a menina me respondeu em
polaco, deixando-me desconcertado. Uma criança que não sabia ler nem
escrever, respondia-me em polaco. -'Eu depois já te conto', disse-me.
Perguntei-lhe se vinha dos Santos, e a ladainha toda dos exorcismos, 'De
onde é que vens, para onde é que vais, quem é que tu conheces?' (para além
das coisas que eu não posso aqui divulgar). Ao sair do Mosteiro de Balsemão
a menina virou-se para um padre polaco e disse-lhe - 'Você vai morrer' - E
morreu mesmo, passado pouco tempo, quando caiu abaixo de um cavalo. Está lá
enterrado no mosteiro.
LH - Disse-me que esta semana foi fazer um exorcismo aqui, próximo da sua
casa, e não conseguiu retirar a onda negativa...
PHG - Estive a fazer uma reza numa casa, onde já tinham estado outros
padres, que disseram aos da casa para me chamarem. Ao chegar ao local dei
logo conta e disse. 'Isto está mau, tenho de cá voltar segunda vez'. É uma
residência onde as coisas mais dispares acontecem e as pessoas que lá
habitam têm problemas. Naquela casa existe uma mistura de factores. Há
intervenção de Deus, do Diabo, e da pessoa Humana. Preciso de saber quem é
quem no meio daquilo tudo para conseguir deslindar o problema.
LH - Não tem medo de ser perseguido por essas ondas do mal depois de os
afastar das pessoas que eles têm possessas?
PHG - É claro que sim e já o fui muitas vezes. Eu pesava 85 quilos e passei
para 65. Não foi por deixar de comer ou beber. Sou um homem muito religioso,
talvez pouco católico, mas muito cristão. Se Cristo viesse a minha casa acho
que nos tratávamos por tu. A imagem que eu tenho DELE, através do evangelho
(que eu conheço de cabo a rabo) entrava aqui alguém que eu conhecia. O
grande mal de muitos portugueses é que são bons católicos e péssimos
cristãos.
LH - Disse-me que tinha de voltar àquela casa para completar o trabalho.
Quando faz um exorcismo fica com a consciência de que a pessoa ficou
completamente limpa?
PHG - O exorcismo é um trabalho de paciência. Vai-se cortando a corrente
negativa, a pouco e pouco, se a nossa corrente for mais positiva, afasta-a.
Tão simples como isto. Há o perigo do retrocesso que, geralmente não
acontece. Vou ter de lá voltar a casa para me certificar se a corrente
negativa foi embora, ou não, para ver como é que eu me sinto, porque eu
sinto-o.
A pessoa que tem o problema até se pode sentir melhor, ou pior, mas eu é que
o sinto. Eles são apenas o receptáculo daquela energia. Geralmente cai sobre
a melhor pessoa da casa porque é a mais sensível. Como Santo Agostinho o
definiu, o Diabo anda sempre por aí. Ele está, agora, aqui no meio de nós. o
Bem e o Mal estão sempre juntos. O Bem pode estar a dormir, mas o Mal está
sempre à espreita e, quando pode atacar, não perdoa.
LH - Defina-me em poucas palavras algo sobre o exorcismo que ainda não
tenhamos falado...
PHG - Para se fazer esse serviço, tem de se estar em jejum e há casos que
duram quatro e cinco horas. São poucos os padres que aceitam fazer isto
porque se sofre muito. Às vezes, quando me procuram, digo que o bispo me
proibiu de o fazer (não proibiu nada, nem eu aceitava tal proibição). Sempre
que posso evito fazer porque sei que vou ter consequências, mas acho que o
padre deveria estar sempre aberto a ajudar porque essas pessoas são
exploradas por curandeiros, bruxos, psiquiatras, e não chegam a parte
nenhuma. Quando o mal é este, tem de ser resolvido desta forma.
Eu não sou nada, nem ninguém. Agora o poder daquele gesto (sinal da cruz),
que me foi transmitido quando fui ordenado padre, poder que eu também não
diz qual é. Só que, depois de fazer o exorcismo, quando faço o sinal, a
pessoa olha para mim e está com os olhos diferentes. Eu não fiz nada à
pessoa, foi aquele gesto. Quem souber que explique, a mim também, onde está
o poder.
LH - Quanto leva por fazer um trabalho destes?
PHG - Não levo dinheiro pela prática do exorcismo. Quando se mistura
dinheiro com religião as coisas estão mal. Hoje um padre, se quiser, é o
homem que mais dinheiro pode ganhar, em pouco tempo, mas se for um padre de
Deus tal não acontece. Eu vou dizer uma missa pela alma de uma pessoa e
pagam-me. Hoje é usual os padres dizerem a mesma missa pela alma de quarenta
ou cinquenta pessoas (que ele inumera durante a celebração). Multiplique
isso pelo preço de uma missa e veja quanto dá. Já me aconteceu recusar e
quando teimam digo-lhes - deitem na caixa das almas, que é para a igreja.
Ninguém o faz, porque gostam de o dar ao padre, olhos nos olhos, porque
sabem que foi ele que lhe fez o serviço.
Luís C. Ribeiro